Um acordo celebrado no começo deste ano entre uma associação regional e uma companhia madeireira desrespeita as tradições dos quilombolas das comunidades de Oriximiná e ameaça o modelo de desenvolvimento sustentável, de acordo com informações da Mongabay.
As negociações geraram conflitos, principalmente após colaboradores da empresa entrarem no território quilombola para avaliar o potencial florestal.
As comunidades remanescentes de quilombos da região, situadas em um dos maiores blocos de floresta tropical protegida do mundo, são consideradas um exemplo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Seu modelo de bioeconomia, que se baseia em produtos não madeireiros, valoriza a floresta em pé.
E o valor de manter Floresta Amazônica é cerca de sete vezes superior ao lucro que pode ser obtido por meio de diferentes atividades de exploração econômica da região, calculou o Banco Mundial em estudo lançado na terça,9.
Como já publicamos aqui no Pará Terra Boa, no ano passado, a Cooperativa Mista dos Povos e Comunidades Tradicionais da Calha Norte (Coopaflora) comercializou 98,5 toneladas de castanhas ao longo do período da safra, entre fevereiro e junho. As vendas totalizaram R$ 645,7 mil, um crescimento de 191% em relação à safra anterior, quando o total comercializado foi de R$ 221,7 mil.
Para explorar a área, a Associação Mãe Domingas, que representa as seis comunidades de Alto Trombetas 1, um dos oito territórios quilombolas de Oriximiná, fechou um acordo com a companhia Benevides Madeiras. Em 7 de março, a madeireira obteve autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) para entrar na reserva, a pedido de Ari Carlos Printes, coordenador da associação.
No entanto, em 30 de março, a Promotoria de Justiça Agrária do Ministério Público do Estado do Pará emitiu uma recomendação para suspender quaisquer atividades relacionadas ao manejo de madeira na área quilombola até que seja realizada uma “consulta prévia, livre e informada” com todas as comunidades envolvidas.
Investigação
Os promotores estão investigando a denúncia de que a associação firmou o acordo sem consultar os quilombolas. Eles alegam que mudanças no estatuto e irregularidades na lista de presença da assembleia foram utilizadas para aprovar a parceria.
Embora a ata do encontro tenha sido registrada em cartório, ela mostra apenas 65 pessoas votando a favor do plano, um número insuficiente para definir o futuro do território que abriga cerca de 400 famílias.
“Temos uma batalha contra o assédio de madeireiros. Debates sobre esse tipo de projeto já tinham sido feitos pela associação no passado, quando os moradores decidiram que não queriam o manejo de madeira. O corte de árvores vai contra nossos princípios e costumes, sem falar do impacto ambiental”, afirmou à Mongabay Sílvio Rocha, morador do território que atua contra o projeto.
O que diz o ICMBio
O ICMBio esclareceu que a autorização concedida se limitava apenas ao tráfego de madeireiros pela Reserva Biológica do Rio Trombetas e que em nenhum momento a extração de madeira na Terra Quilombola foi autorizada.
O órgão também comunicou por e-mail que já acatou a recomendação do Ministério Público, suspendendo o acesso de novas pessoas à mata até que a situação seja resolvida de forma pacífica.
Mas a Associação Mãe Domingas não pretende suspender o trabalho com a Benevides Madeiras.
“Todas as tratativas foram feitas dentro da lei. A opção por um projeto de manejo em área quilombola está amparada pela Constituição Federal. Essa não é a função do Ministério Público. Nós vamos continuar com o trabalho, pois não há ação judicial proibindo”, disse à Mongabay Mário Luiz Guimarães Printes, advogado da associação.
Colaboração arriscada
Quando realizado de maneira correta, respeitando as normas estabelecidas pelos órgãos ambientais, o manejo florestal para extração de madeira pode ajudar a combater o desmatamento ilegal e gerar renda para as comunidades.
Ainda não há um plano aprovado para o território da Associação Mãe Domingas, mas o primeiro contrato assinado prevê que a Benevides Madeiras será responsável pela elaboração do projeto. Os quilombolas, por sua vez, têm a responsabilidade de permitir o acesso dos madeireiros ao território para que o trabalho seja realizado.
“Muitas vezes, a simples divisão do dinheiro entre as famílias quebra as atividades tradicionais, muda os hábitos dos moradores e abre caminho para problemas como alcoolismo e violência doméstica. É preciso avaliar com precisão as vulnerabilidades ambientais, econômicas e sociais antes de firmar um acordo, sem deixar um cheque em branco para a madeireira atuar na região”, disse o advogado Rodolpho Cioffi de Ávila, que atua em favor dos quilombolas de Oriximiná.