O que o escândalo criminoso do Vale do Javari (AM), onde dois jornalistas defensores do meio ambiente desapareceram, tem a ver com o Pará? O caso que ganhou repercussão mundial serve de alerta às autoridades paraenses, pois o Estado liderou o ranking nacional de conflitos por terra em 2021, segundo a Comissão Pastoral da Terra. Escancara o que a gente boa da terra testemunha nos rincões do Pará: o crime organizado toma conta da floresta amazônica, tornando-se, assim, um poder paralelo.
O indigenista Bruno Pereira, da Funai, acompanhava o jornalista britânico Dom Phillips, que estava na região levantando informações para seu livro “Como Salvar a Amazônia”. O caso recebeu atenção de todos os principais jornais do mundo e da Organização das Nações Unidas (ONU). Caso as mortes sejam confirmadas, poderá haver impactos diplomáticos entre Brasil e Reino Unido, em que pese a aproximação dos mandatários Jair Bolsonaro e do premiê britânico Boris Johnson.
De acordo com as autoridades policiais, o Vale do Javari, por estar localizado ao lado da tríplice fronteira entre o Brasil, Peru e Colômbia, além de ser casa de dezenas de etnias indígenas isoladas, atrai facções criminosas para exploração de caça e pesca ilegal, com o pirarucu, tráfico de drogas, madeira e ouro. Segundo o prefeito Denis Paiva, de Atalaia do Norte (AM), onde a dupla desapareceu, o caso pode ter relação com a “máfia dos peixes”, conforme informou nesta segunda-feira, 13/06, a agência Associated Press.
O Pará é o segundo produtor nacional de pirarucu, de acordo com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap). A produção anual é de 295.157 quilos. A exploração ilegal do pirarucu, por sua forma predatória, causa extinção de vários outros peixes e faz com que a espécie não seja mais vista com tanta frequência em diversas comunidades paraenses. Não há proibição para a pesca do pirarucu, apenas regras e o defeso, além de incentivo do manejo sustentável.
É com manejo sustentável que a comunidade da Costa do Tapará, em Santarém, no oeste do Pará, viu crescer 189% o número de peixes na área de 2018 a 2021. Os moradores já fazem o manejo há quase dez anos para garantir estoque pesqueiro e conservação do maior peixe de escama de água doce do mundo.
Crimes, tráfico e multas
Pirarucu, tracajá (espécie de cágado), queixada e anta estão entre os animais mais procurados por caçadores, segundo pesquisa realizada entre 2013 e 2014 pelo Center for International Forestry Research (Cifor). Em 2019, uma reportagem da BBC apontou que enquanto um tracajá custava ao menos R$ 100 em regiões da tríplice fronteira, um pirarucu ainda jovem não era vendido por menos de R$ 1 mil.
Estudos apontam que a atividade é ainda associada ao narcotráfico, presente na região desde ao menos a década de 1970. As invasões do território indígena são um problema antigo, mas se intensificaram nos últimos anos diante do “enfraquecimento da Funai”, segundo pesquisadores.
Apenas uma multa aplicada em 2019 pelo Ibama, por causa do transporte ilegal de carne do peixe pirarucu na região do Vale do Javari, custou R$ 10 milhões, de acordo com levantamento inédito da Agência Pública, que apontou ser o maior valor de multa aplicada pelo órgão em todo o Estado do Amazonas num período de 30 anos, envolvendo a pesca ou comércio ilegal do peixe.
Segundo o jornal “O Globo”, o indigenista vinha sofrendo tentativas de intimidação por pescadores ilegais de pirarucu e tracajás da região, como comprovou um bilhete anônimo enviado à União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja), para a qual o indigenista trabalha, com ameaças a ele e a Beto Marubo, coordenador da entidade.
O pirarucu é protegido por limitações de pesca desde a década de 1980, após a constatação de que a sua população estava em queda. Atualmente, no Amazonas, só é permitido capturar a espécie dentro de sistemas de manejo, um modo de pesca controlada em reservas ambientais. Qualquer pesca fora dessas áreas ou venda da carne do pirarucu que não seja procedente de manejo autorizado são ilegais no estado.
Fonte: BBC, G1, Agência Pública e Revista Galileu