A recente guerra travada na Ucrânia pela Rússia levantou o debate do futuro de uma grande mina de potássio na Amazônia. Como o Brasil depende do fertilizante dos russos à base do mineral, com o conflito armado, o temor do agronegócio brasileiro é de que falte o produto, bem como seu preço dispare, uma vez que as punições dos Estados Unidos e Europa contra os russos podem inviabilizar o comércio dos fertilizantes em todo o mundo.
Quem está de olho há anos na mina de potássio situada em Autazes, Itacoatiara e São Sebastião do Uatumã, no Amazonas, é uma empresa canadense chamada Potássio do Brasil, controlada pelo banco canadense de investimentos Forbes & Manhattan (F&M).
Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), a Potássio do Brasil aguarda a conclusão do processo ambiental de dezenas de projetos para começar a exploração do mineral na Amazônia, uma vez que a mina está a menos de 10 quilômetros de terras do Povo Mura. Aliás, o Pará é o Estado brasileiro com maior número de requisições para exploração mineral em terras indígenas. Os territórios mais afetados por esses pedidos são a TI Xikrin do Cateté (PA) com 34 requerimentos, seguida pela TI Sawré Muybu (PA), com 21. A etnia mais impactada por estes pedidos de mineração é a Kayapó (PA), com 73 requerimentos. A TI Waimiri Atroari (AM) também tem 34 pedidos.
O mesmo banco está por trás do projeto da mineradora Belo Sun, que pretende implantar um projeto de exploração industrial de ouro no Pará, na região da hidrelétrica de Belo Monte.
O Brasil adquire no exterior aproximadamente 85% do volume de fertilizantes aplicado anualmente nas lavouras. A Rússia é uma das principais exportadoras do produto para o Brasil e, em janeiro, respondeu por 30,1% dos adubos e fertilizantes que entraram em território nacional, segundo o Ministério da Economia. Durante os 12 meses do ano passado, os russos foram responsáveis por 23,3% de todo fertilizante que entrou no Brasil.
As relações comerciais do Brasil com a Rússia estão majoritariamente concentradas na compra de fertilizantes. Dos US$ 5,7 bilhões em importações brasileiras da Rússia em 2021, US$ 3,5 bilhões – ou 62% do total – estão relacionados à compra do insumo usado no agronegócio. Esse resultado do ano passado foi 97% superior ao registrado em 2020, quando o Brasil desembolsou US$ 1,75 bilhão na importação desses produtos, segundo informa o jornal “Estadão” nesta quarta-feira,, 2/03.
Próximos passos
A Potássio do Brasil tem a sua base em Autazes, a 120 quilômetros de Manaus, onde está o depósito mineral identificado pela empresa. Em junho do ano passado, a empresa informou que “deu um passo firme e muito importante” no processo de licenciamento ambiental de outro empreendimento, o “Projeto Potássio Itapiranga”.
Foi protocolado junto ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) o requerimento para a obtenção da licença prévia do projeto para produção de fertilizantes de potássio no município a 226 km de Manaus. A previsão é produzir cerca de 2 milhões de toneladas de fertilizantes de potássio por ano.
Até o ano de 2020, a empresa afirma que foram investidos mais de US$ 190 milhões na descoberta e desenvolvimento de seus projetos no Brasil e outros US$ 2 bilhões serão investidos até o final da construção de suas operações.
Água na fritura
O assunto ganhou nova conotação nesta quarta-feira, 2/03, porque o presidente Jair Bolsonaro criticou o apetite dos canadenses na Amazônia, que têm 149 pedidos de exploração do potássio na região, incluindo o Pará, onde os estudos de prospecção do mineral estão em fase mais preliminar que os do Amazonas.
O chefe do Palácio do Planalto divulgou um vídeo de 2016 em que ele, enquanto deputado federal, contesta as intenções da Potássio do Brasil, dizendo que os direitos minerários na região “estão nas mãos de uma empresa canadense” e que essas explorações teriam sido “acertadas via Petrobras, Deus lá sabe como”. Bolsonaro não dá detalhes sobre suas afirmações. “Ou seja, não podemos explorar nosso próprio potássio”, conclui.
Para ele, o Brasil precisa encontrar uma solução para o problema da possível falta de fertilizantes no mercado, destacando que a atuação dos canadenses é um dos “problemas” a serem resolvidos. Essa reação de Bolsonaro surge semanas após ele se encontrar com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou, capital russa, em plena véspera de Putin bombardear a Ucrânia. De volta ao Brasil, Bolsonaro tentou emplacar uma versão de que ele teria freado os ímpetos de Putin para invadir terras ucranianas. Tudo não passou de uma fantasia. Não só Bolsonaro não parou a guerra, como, agora, o envio de fertilizantes da Rússia para o Brasil está comprometido.
Só que, enquanto o presidente da República critica o apetite da Potássio do Brasil, em seu governo, a empresa canadense apresentou oitos novos pedidos de exploração de potássio desde janeiro de 2019 na Amazônia. Essa mesma empresa adquiriu ainda, irregularmente, vários terrenos de reforma agrária na região para abrir espaço para sua exploração, conforme mostrou o “Estadão”.
Além do mais, o banco canadense faz lobby com o vice-presidente Hamilton Mourão e com um general da reserva brasileiro, Cláudio Barroso Magno Filho, para tentar liberar seus licenciamentos ambientais, como revelou reportagem do site da Agência Pública. Esse general de brigada do Exército atuou pelos interesses do F&M e suas mineradoras junto à cúpula do governo. Ele é um veterano da missão de paz da ONU no Haiti e entrou no ramo de consultorias e venda de equipamentos para as Forças Armadas e empreiteiras desde sua ida para a reserva, nos anos 2000. Desde 2019, o militar atua em prol do F&M no Brasil.
A ministra da Agricultura, Teresa Cristina, marcou para o dia 12 uma visita ao Canadá para tratar da possível falta de fertilizantes no mercado interno, uma vez que o país da América do Norte é o quarto maior fornecedor do insumo, segundo informa o G1.
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