Um estudo publicado neste mês de novembro de 2021 pela revista científica “Science Advances”, e objeto de reportagem da “Revista Pesquisa Fapesp”, mostra uma redução do peso e um alongamento das asas das aves em 77 espécies de regiões da Amazônia distantes de cidades, provavelmente em consequência das secas e chuvas mais intensas nas áreas onde vivem.
Coordenado pelo biólogo checo Vitek Jirinec, do Centro de Pesquisa de Ecologia Integral, uma organização não governamental da Califórnia, Estados Unidos, o estudo se apoia nas medidas de massa corporal de 14.842 aves, da envergadura de 11.582 e da proporção entre massa e comprimento da asa de 11.009 exemplares coletados de 1979 a 2019 pelo Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), sediado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus.
As análises revelaram uma redução de 5,4% a 10,5% no peso e um aumento de 6,3% a 12,2% no comprimento das asas.
“Mostramos que a variação na massa, no comprimento das asas e na proporção entre massa e asa está ligada à temperatura e precipitação no intervalo de curto prazo, correspondente às estações do ano”, diz Jirinec, que coletou dados de aves na Amazônia de 2017 a 2019.
Na região em que vivem as espécies analisadas, a precipitação média aumentou 13% na estação chuvosa e caiu 15% na estação seca desde 1966. A temperatura média aumentou 1 grau Celsius (°C) na estação chuvosa e 1,6 °C na estação seca.
A redução da massa corporal, em média de 2% por década, mostrou-se maior após secas mais intensas, o que aponta que asas mais longas pode ser uma vantagem quando a estabilidade do ambiente se perde, o que favorece voos mais longos e busca de alimentos ou de abrigo em outros lugares.
A bióloga Bruna Rodrigues do Amaral, uma das autoras do estudo, observa:
“As aves podem perder peso por não estarem bem adaptadas a mudanças abruptas de temperatura e precipitação”.
Gilberto Fernández, da Universidade Federal de Mato Grosso, que participou das coletas de dados das aves e do artigo, diz:
“Pensávamos que as aves estariam protegidas no interior das florestas, mas os impactos da ação humana estão chegando lá”.
Segundo Bruna, o fato de não haver desmatamento nas áreas estudadas não é o suficiente para livrá-las dos efeitos das variações do clima. “Mesmo a floresta aparentemente boa está com problemas”, diz.
“O estudo na ‘Science Advances’ é uma demonstração admirável dos efeitos silenciosos do aquecimento global sobre a biodiversidade, que só podem ser demonstrados por meio de amostragens longas em áreas remotas”, comenta o biólogo Everton Miranda, da organização não governamental The Peregrine Fund, dos Estados Unidos.
“Não estamos falando do Arco do Desmatamento ou das imediações de grandes cidades como Belém, no Pará, Sinop, em Mato Grosso, ou Manaus, mas de mudanças no âmago da maior floresta tropical do mundo.”
Cohn-Haft concorda: “A possibilidade de haver outra explicação para esse efeito nas aves além do clima é muito pequena. Só mesmo variações no macroclima do planeta poderiam explicar as mudanças no microclima de áreas do interior da floresta distantes da ação humana direta”.
Fernández comenta que as aves poderiam voltar a encorpar se o clima deixasse de oscilar, mas a persistência e intensificação das secas e das chuvas poderiam agravar a situação. “Muitas espécies incapazes de encolher provavelmente vão desaparecer”, sintetiza Miranda.
Fonte: Revista Pesquisa Fapesp