No arquipélago do Marajó, onde se encontram os municípios com os menores índices de desenvolvimento do País, a geração de renda de muitas famílias é dinamizada pela coleta e comercialização do açaí, que representa 25% do total do estado, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Agropecuária e da Pesca do Pará (Sedap). O mercado do fruto está em alta no Brasil e no exterior, porém os produtores da região já notam que a atividade está ameaçada com o avanço do aquecimento global, como informa reportagem do Eco.
“A safra não é mais tão grande quanto costumava. O caroço agora está bem miúdo, mudou demais. Antes, chovia e vingava. Agora, passam muitos dias sem chover e o açaí seca. Se chove demais, também é um problema. A gente depende muito da natureza”, conta Pedro Nunes, de 68 anos, que acompanha o crescimento da produção e da demanda por açaí desde os 8 anos.
O relato do produtor é preocupante, já que a safra do açaí ocorre durante o verão amazônico, que se estende de junho a setembro, mas, em vez de uma colheita volumosa, o que se tem são menos frutos e o produto ficando mais caro e escasso no mercado. De acordo com Pedro Nunes, isso seria reflexo das chuvas abaixo do normal no inverno passado e do calor excessivo atual, que faz com que o fruto não vingue.
A percepção dos agricultores é comprovada pela ciência que alerta que as mudanças climáticas podem comprometer ainda mais a cultura do açaí na região. Projeções do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento apontam que o nível do mar no Marajó pode subir 10 cm nas próximas duas décadas, elevação suficiente, por exemplo, para deixar boa parte do município de São Sebastião da Boa Vista, onde vive Pedro Nunes, abaixo do nível do mar.
Extinção de espécies de palmeira
Além disso, estudos indicam que as mudanças climáticas associadas a fatores como o desmatamento podem fazer com que 15 espécies de palmeiras e outras árvores cultivadas em áreas de várzea, incluindo duas de açaí, sejam extintas até 2050. A estimativa é que esse conjunto de impactos prejudique cerca de 14 mil pessoas no Marajó.
“Aqui, todo mundo depende do açaí, porque mesmo quem não ‘tira’ [colhe] ou não tem terreno, trabalha com o frete ou até, se tem um mercado, sabe que o dinheiro dos clientes vem disso”, comentou Miguel da Silva, também morador de São Sebastião da Boa Vista.
De acordo com o professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), Alexander Turra, o aumento do nível do mar deve pressionar tanto os ecossistemas naturais, como manguezais e várzeas, quanto áreas urbanas que ficam mais vulneráveis a alagamentos. Além disso, o fenômeno pode intensificar os episódios de erosão e prejudicar a qualidade da água com a salinização.
“Quando se tem elevação do nível do mar, a água invade não só por cima como por baixo. Assim, o lençol freático é alterado e perde-se água potável, já que vai estar salobra. Isso impacta uma série de atividades humanas, desde a água para beber até a agricultura”, explica.
Com o futuro da produção de açaí ameaçada, o governo estadual informou que apoia a cultura do fruto no Marajó desenvolvendo estratégias de manejo e plantio em terra firme. Já Salo Coslovsky, pesquisador do Amazônia 2030, defende que sejam criadas políticas para diversificação por meio da verticalização ou plantação em sistemas agroflorestais. A ideia é preparar a população para encarar um cenário em que não seria possível manter os cultivos de açaí nativo na região.
“Não tem nenhum ciclo produtivo que dure para sempre. O importante é pensar como se aproveita dessa onda para se preparar para o futuro”, diz Salo Coslovsky.