Por Ericka Pinto
Mais de 300 líderes e cientistas se reuniram em Belém (PA), nos dias 21 e 22 de junho, com o objetivo de estabelecer um pacto regional que promova um desenvolvimento sustentável, fundamental para evitar o ponto de degradação irreversível do bioma amazônico, na Conferência Pan-Amazônica de Bioeconomia.
Durante os dois dias especialistas locais, regionais e internacionais, incluindo representantes governamentais, líderes comunitários, empresariais, investidores, cientistas, pesquisadores, ONGs e movimentos sociais discutiram aspectos-chave, como financiamento, tecnologia, legalidade das cadeias produtivas e o papel das cidades na multiplicação de valor dos produtos e serviços da bioeconomia.
Para todos, ficou a certeza de que a essa bioeconomia só é viável com a participação de todos os setores da sociedade.
Para o cientista Carlos Nobre, co-presidente do Painel Científico para a Amazônia, não há outro caminho para evitar um colapso climático que não seja o da bioeconomia, pensado e construído em coletividade com as populações tradicionais, somando a esses conhecimentos a ciência e a tecnologia.
“Se não desenvolvermos essa bioeconomia, se continuarmos expandindo a economia tradicional, que não enxerga valor na floresta em pé, a Amazônia desaparecerá. Este evento é muito importante para comunicar a importância e a urgência do fortalecimento dessa nova bioeconomia, e como ela beneficiará a região, combaterá a emergência climática, protegerá a imensa biodiversidade da floresta e melhorará a qualidade de vida de todos os povos amazônicos, tanto rurais quanto urbanos”.
Durante a conferência, destacou-se o potencial econômico da bioeconomia, considerando não apenas os produtos nativos rastreáveis, mas também os 270 produtos da biodiversidade utilizados pelos povos indígenas.
No painel “Rumo a uma visão compartilhada e de definição de uma bioeconomia panamazônica”, o economista da WRI Brasil Rafael Feltran-Barbieri explicou que em um levantamento feito com base em apenas 13 produtos nativos (açaí fruto, açaí palmito, cacau, castanha, babaçu coco, babaçu óleo, cupuaçu, mel, borracha, buriti, urucum, copaíba e andiroba), demonstrou-se que a bioeconomia gera um PIB em torno de R$ 12 bilhões. Mas essa economia pode ser muito maior, aponta o economista.
“A gente imagina que o potencial da bioeconomia para o futuro deva ser 4, 5, 10 vezes maior, a depender de como a gente vai decidir economicamente seguir para uma economia que valorize os conhecimentos tradicionais e que tenha nesses produtos uma motivação econômica e social pra manter a floresta em pé e os povos saudáveis”.
O economista lembrou ainda que a bioeconomia também é formada por serviços ecossistêmicos, produzidos pela floresta, como por exemplo, a chuva, fundamental para setores da economia, incluindo a agricultura. Dados do IBGE de 2019 apontam que a diminuição da floresta e o aumento da frequência e intensidade de incêndios apresentam impactos direto nesse setor, visto que 96% das áreas plantadas e 99% das pastagens no Brasil não possuem sistema de irrigação.
“Isso mostra que manter a floresta em pé, manter um programa de bioeconomia que, ao mesmo tempo gere produtos para as pessoas da floresta e garanta serviços essenciais para a agropecuária, é extremamente fundamental”, disse o economista.
Representatividade
Ouvir essas populações e reconhecer a importância dos saberes tradicionais também foram destacados como fundamentais para entender o potencial da região e construir, de forma conjunta com os demais atores sociais, recomendações para uma economia inclusiva e de proteção à biodiversidade.
Na abertura, Fany Kuiru Castro, coordenadora de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), disse que a sua participação representa nove organizações indígenas amazônicas do Equador, Bolívia, Brasil, Colômbia, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
“São cerca de 511 povos amazônicos que vivem em uma área de cerca de 240 milhões de hectares de floresta. Queremos ser incluídos, porque não queremos ser simples expectadores das discussões sobre a Amazônia. Por sermos povos originários, podemos contribuir com as discussões em benefício de todos os interessados e também dos povos indígenas”, disse.
Mudança de mentalidade
O painel “Últimas tendências, evidências e ideias de transições econômicas sustentáveis” levantou questionamentos sobre o setor financeiro e as parcerias que faltam para que produtos das populações tradicionais cheguem ao mercado.
“Essa mudança não é uma mudança que incorre em grandes investimentos, mas de uma mudança de mentalidade. E isso só vai acontecer se nós, aqui, juntos, ecoarmos um pedido que vocês iniciaram, de que sem nós na mesa, não tem negócio. Esse é um ponto muito importante, não apenas para ser respeitado, mas executado”, afirmou o head de Sustentabilidade do Instituto Itaúsa, no Brasil, Marcelo Furtado.
No debate o “Alinhamento de visões nacionais e regionais com imperativos locais e globais”, o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas-PA), Mauro O’de Almeida, compartilhou as experiências do Pará na construção coletiva com as comunidades locais do Plano Estadual de Bioeconomia. Lançado em novembro de 2022, durante a 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP-27), o PlanBio surgiu a partir das demandas da sociedade civil.
“Nós ouvimos mais de 250 lideranças, entre indígenas, quilombolas, extrativistas, sociedade civil, com mais de 14 reuniões regionais, locais, no interior do estado do Pará. Isso levou a depoimentos de lideranças indígenas como se sentindo pertencentes a um processo afirmativo de uma política pública estadual pela primeira vez”, afirmou o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Mauro O’de Almeida.
Trazer para o debate quem desmata
Durante os debates, o titular da Semas também provocou várias reflexões sobre a importância de se envolver todos os setores nesta discussão, inclusive os que praticam uma economia de exploração e destruição.
“Tem gente que não está aqui e que precisa vir para o contexto da bioeconomia. São os que estão degradando, são os da área de mineração, são os contratados pra desmatar e que não têm e não vê oportunidades em outro campo que não seja o da ilegalidade. A gente precisa convencê-los e trazê-los para esse debate para que eles também se juntem a uma nova economia”, disse.
Documento
As recomendações discutidas e reunidas durante a Conferência serão consolidadas em um documento que estará pronto nas próximas semanas e será entregue aos presidentes dos nove países da região antes da Cúpula da Amazônia, que ocorrerá em Belém, em agosto.