Criado para ser um registro público eletrônico que agrega informações ambientais e fundiárias sobre os imóveis rurais, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um recurso cada vez mais utilizado para declarações fraudulentas que dão margem ao avanço da grilagem e ao desmatamento ilegal. Essa é a análise apresentada na terceira edição do Panorama do Código Florestal, elaborada pelo Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Uma das principais evidências disso é o aumento do número de registros sobrepostos a outras categorias fundiárias. O problema é maior na Amazônia, onde há cerca de 910 mil casos. Somente no último ano, as sobreposições passaram de 12,4% para 18,3%, com 13.433 registros coincidindo com áreas de unidades de conservação, 2.360 com terras indígenas e 206.495 sobre terras públicas sem destinação.
O Pará é o estado onde há mais CARs irregulares. De acordo com o estudo, são 232.170 imóveis cadastrados, dos quais 70.445 avançam sobre áreas protegidas. Segundo os especialistas, essas informações são autodeclaradas e muitas vezes são usadas para esconder a ocorrência de desmatamento, de déficits de reserva legal ou mesmo para a grilagem de terras públicas. Rondônia e Amazonas completam o ranking com 41.992 e 40.166 cadastros fraudulentos, respectivamente.
“Após 12 anos da revisão do Código Florestal, quase nada avançou, principalmente quanto ao uso do CAR como instrumento principal para o cumprimento do Código Florestal. Esse período tem sido marcado por contratempos e limitações. A alteração legislativa afrouxou exigências relacionadas à conservação ambiental e flexibilizou medidas de fiscalização, incluindo a concessão de anistia a desmatadores ilegais, cancelamento massivo de autos de infrações e a redução da necessidade de recuperação de vegetação nativa”, afirma o professor e coordenador do estudo, Britaldo Soares Filho.
Na avaliação do pesquisador, o controle da questão piora em razão da tecnologia utilizada que opera com um software obsoleto, sem integração com bases de dados cartográficos e com imagens de satélite de qualidade inferior.
“Os estados e o governo federal são incapazes de atualizá-lo, muito menos integrá-lo a outros sistemas federais. Apesar do Brasil dispor de tecnologia e inteligência territorial gratuitas por parte de Instituições, a exemplo do modelo desenvolvido pelo CSR/UFMG, essa verificação abrangente ainda não é feita pelo sistema atual.”, ressalta.
Soares Filho destaca que boa parte dos casos de sobreposição do CAR a áreas protegidas e o cancelamento dos registros fraudulentos poderia ser resolvida apenas com a atualização da tecnologia. Na contramão disso, o sistema vigente acaba dificultando a regularização fundiária e ambiental e cria desafios para que os produtores rurais tenham acesso a mecanismos financeiros de pagamentos por serviços ambientais ou desenvolvam a rastreabilidade exigida para a venda de produtos no mercado internacional.