As áreas de pasto ocupam 75% do que foi desmatado nas terras públicas não destinadas da Amazônia, segundo estudo lançado na quarta-feira, 27/10, por pesquisadores do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), que mostra o avanço do desmatamento nessas áreas na última década e seu peso para o agravamento das mudanças climáticas.
O texto aponta que, entre 1997 e 2020, um total de 21 milhões de hectares foram destruídos, ou 8% dos 276,5 milhões de hectares de florestas públicas existentes da Amazônia Legal. É uma área maior do que o Paraná. A emissão de gases estufa associada é de 10,2 giga toneladas de CO2 , correspondendo a cinco anos de emissões brasileiras.
“A grilagem é um fator de risco para o equilíbrio climático do planeta, e ainda carrega para o setor da pecuária dois problemas: ilegalidade e mais emissões de gases do efeito estufa”, diz o pesquisador sênior do IPAM, Paulo Moutinho.
“Uma economia verdadeiramente de baixo carbono no Brasil precisa passar por uma análise ampla sobre o impacto das cadeias produtivas no agravamento do efeito estufa. Deixar essas emissões de lado não faz sentido quando temos uma emergência climática em curso”, alerta.
Entenda
As terras públicas, que incluem terras indígenas (TIs), unidades de conservação (UCs) e as glebas públicas não destinadas ocupam cerca de 276 milhões de hectares no bioma Amazônia. Se fosse um país europeu, só perderia em território para a Rússia.
Essas áreas são constantemente pressionadas por invasões e atividades ilegais, que geram desmatamento e fogo. Consideradas um patrimônio dos brasileiros, as florestas que cobrem essas terras públicas estão, por princípio, sob o domínio da União e dos Estados. A eles, portanto, é conferida a responsabilidade de proteção.
As pastagens, em comparação com outros usos do solo, parecem ser a principal ferramenta para a ocupação de terras públicas na Amazônia. No entanto, pouco se sabia em que proporção as pastagens têm sido usadas para a ocupação ilegal destas terras, ou ainda quanto destas pastagens permanecem ativas e perenes ou são abandonadas.
A COP 26, a Conferência do Clima da ONU, começa na próxima semana em Glasgow, no Reino Unido, com a missão de acertar o livro de regras do Acordo de Paris, que estabelece esforços globais para controlar as emissões de gases do efeito estufa. Um dos pontos em aberto é o funcionamento de um mercado de carbono que tem o potencial de impulsionar projetos de conservação de florestas tropicais.
“Se o Brasil quiser se mostrar como destino de investimentos em projetos de REDD+ [Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal], por exemplo, precisa fazer a lição de casa. Isso significa necessariamente acabar com o desmatamento, começando por proteger as florestas públicas e combater a grilagem de forma definitiva”, afirma Moutinho.
‘Terra de ninguém’
O problema é grave. A nova análise do IPAM mostra que 44% do desmatamento nos dois últimos anos (2019 e 2020) na Amazônia ocorreu em terras públicas. Terras indígenas e unidades de conservação, ainda que sob intensa pressão, mostram os menores índices de desmatamento: somente 1% e 2% de suas áreas totais, respectivamente, foram convertidas para outros usos. Já a conversão da floresta em pasto é regra em terras devolutas e florestas não destinadas, muitas vezes seguida por um Cadastro Ambiental Rural (CAR) irregular, numa tentativa de emular posse da terra para venda ou para usufruto.
Atualmente, existem 16 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas declarados como propriedade privada dentro do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural, e 15,2 milhões de hectares nas outras terras não destinadas. O desmatamento nas áreas com CAR foi 59% maior no período 2016 a 2020 em relação ao período anterior, de 2011 a 2015.
“Depois do desmatamento, um quarto da área é abandonado e começa a apresentar indícios de regeneração. O restante vira pasto e continua até hoje”, explica a principal autora do estudo, a pesquisadora Caroline Salomão. “Nos últimos dez anos, percebemos que o pasto permaneceu nessas áreas públicas, ou seja, houve algum tipo de investimento.”
O boi criado nessas áreas pode ser vendido para outras fazendas e, mais cedo ou mais tarde, acaba invariavelmente em um frigorífico. Como as empresas não monitoram o cumprimento de regramentos sociais e ambientais de seus fornecedores indiretos, ele não é computado como carne de desmatamento ilegal.
Segundo Salomão, frigoríficos e varejistas – com o auxílio do Ministério Público e de governos federal, estaduais e municipais – poderiam investir em tecnologias para mapear todas as fazendas de fornecimento, dando escala a iniciativas inovadoras como “Boi na Linha”, GT Rastreabilidade do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), Grupo de Trabalho de Fornecedores Indiretos (GTFI), “Selo Verde”, entre outras.
Além disso, investimentos em capacitações sobre melhoria produtiva e regularização ambiental para fornecedores podem fazer uma grande diferença. “É claro que o combate à grilagem e a proteção das terras públicas é responsabilidade do governo. Mas o setor privado pode ser determinante para a mudança ao fechar as portas para ilegalidade”, defende a autora.
CAR
A existência de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) sobrepostos a terras públicas da Amazônia pode ser considerado um forte indício de grilagem. Atualmente, existem 16 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas declarados como propriedade privada no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural e 15,2 milhões de hectares nas outras terras não destinadas.
O desmatamento nas áreas com CAR foi 59% maior no período 2016 a 2020 em relação ao período anterior, de 2011 a 2015. Apesar de o CAR ser um instrumento bastante utilizado por grileiros para viabilizar a posse de terra pública, uma vez que é autodeclaratório, vale lembrar que ele não comprova direito à terra. Trata-se de um instrumento para regularização ambiental e não fundiária.
Além da pretensa declaração de posse via CAR, a grilagem avança tentando dar um caráter “produtivo” à terra ilegalmente ocupada. Uma vez a floresta derrubada e queimada, a tendência é a instalação de pastagens. Em 2020, por exemplo, a pecuária era o principal uso do solo em 75% das áreas desmatadas das florestas públicas não destinadas, aproximadamente 2,6 milhões de hectares.
Abandono
Os resultados da pesquisa do IPAM também revelam que cerca de 20% das áreas invadidas e desmatadas nas glebas não destinadas foram abandonadas após ocupação e desmate, pois apresentaram algum grau de regeneração. Embora essa regeneração seja bem-vinda do ponto de vista da biodiversidade e do clima, ela indica a proporção do desperdício ambiental e econômico que essa dinâmica representa: derruba-se florestas ricas e densas para depois abandoná-las.
Fonte: IPAM