Por Sidney Alves
A guerra entre Rússia e Ucrânia tem sido usada como desculpa pelo Governo Federal para que o Congresso Nacional aprove o PL da Mineração em Terras Indígenas (PL 191/2020), que possibilita liberação para mineração e construção de hidrelétricas sem entraves em terras indígenas, mesmo sem aval dos povos que as ocupam. Isso porque o conflito armado no Leste Europeu alterou o fluxo de importação e exportação de fertilizantes para vários países do mundo.
A saída seria, então, segundo o Governo Federal, liberar a exploração de silvinita, mineral a partir do qual se extrai o potássio, um dos adubos utilizados pelo agronegócio brasileiro, na região amazônica de Autazes (AM), vizinha ao território indígena dos Mura. Apesar de o foco ser no Estado vizinho, como sabemos, o Pará é o Estado brasileiro com maior número de requisições para exploração mineral em terras indígenas do País.
O argumento de que é precisar perfurar a Amazônia porque a Rússia fechou a torneira do fertilizante lá do outro lado do mundo não se sustenta por alguns motivos. Primeiro porque, conforme explica o professor Raoni Rajão, da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 2/3 dos depósitos de potássio no Brasil estão fora da Amazônia Legal, precisamente em Minas Gerais, São Paulo e em Sergipe.
E mesmo aquelas jazidas que estão no bioma amazônico, 0% está em territórios indígenas (TI) homologados e só cerca de 11% se sobrepõem a essas terras. Ou seja, mudar a lei para explorar essas áreas é uma falsa solução que não vai resolver a crise de fertilizantes. Em entrevista ao Pará Terra Boa nesta segunda-feira, 7/03, a geóloga Suzi Huff, da Universidade de Brasília (UnB), relatou algumas polêmicas relacionadas ao tema.
“Eu espero que este Projeto de Lei não seja aprovado uma vez que no caso de alteração das atuais previsões legais (Art. 231, da Constituição Federal) uma grande quantidade de projetos minerais e agrícolas poderão ocasionar imensos problemas na região amazônica, entre os quais eu destaco: aumento do desmatamento e contaminação dos ecossistemas, fragilização das populações indígenas, devido a problemas relacionados à saúde e à violência entre outros, disse a pesquisadora. O paraense bem sabe o que é a violência hoje praticada nos municípios campeões em taxas de desmatamento no Estado, como Altamira e São Félix do Xingu.
O assunto tem previsão de ser debatido na terça-feira, 8/03, na Câmara dos Deputados para encaminhamento urgente da votação do projeto de lei, de autoria do presidente Jair Bolsonaro. Uma empresa controlada por um banco canadense, a Potássio do Brasil, aguarda o desfecho da matéria para seguir com seus trâmites legislativos de explorar o minério em Autazes. A empresa perfurou os primeiros poços para exploração de potássio na região em 2013 e afirma já ter investido nesse projeto cerca de US$ 300 milhões. Para Suzi, a exploração do potássio na Amazônia é desnecessária.
“Caso o Projeto de Lei seja aprovado pelo Congresso Nacional, poucos ganharão e certamente não serão as comunidades locais e a sociedade brasileira como um todo. No caso do potássio, o que precisa ficar claro, é que existem outras possibilidades já disponíveis no Brasil, como é o caso dos remineralizadores de solo, já regulamentados por lei. É provável que os interesses relacionados à exploração de potássio seja um mecanismo para permitir o uso econômico dos recursos disponíveis em terras indígenas e não o interesse de tornar o Brasil menos dependente de importação desse insumo”, reforçou Suzi.
A Potássio do Brasil é subsidiária do banco comercial canadense Forbes & Manhattan, o mesmo por trás da mineradora Belo Sun, que pretende construir a maior mina de ouro a céu aberto do mundo na Volta Grande do Xingu, a mais de 800 km de Belém (PA). Caso consiga, a companhia canadense instalará em Senador Porfírio (PA) uma barragem de rejeitos maior que a da mineradora Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton, rompida em Mariana (MG), em 2015.
Quando se fala em garimpo, mesmo que legal, o paraense já desconfia. No início do ano, imagens de Alter do Chão viajaram o mundo por causa das manchas deixadas nas águas do Rio Tapajós pelo garimpo ilegal. A poluição tem feito o amazônida comer peixe contaminado pelo mercúrio, metal pesado usado no garimpo para extração do ouro.
A troco de quê?
A pergunta que fica é como a aprovação do PL da Mineração em terras indígenas pode trazer benefícios à população paraense. Conforme já mostramos neste espaço, o número de mortes violentas intencionais na Região Norte em 2021 aumentou 10% em relação a 2020, segundo monitoramento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, por causa, especialmente, do garimpo, da grilagem e da invasão de terras.
Além de o paraense ser vítima desse fogo cruzado, ele não vê prosperidade dentro de casa exatamente nos municípios que batem recordes de faturamento com a mineração. No Pará, os resultados pujantes parecem não refletir nos indicadores econômicos do Estado como um todo, bem como não alavancam índices educacionais ou de emprego nas ilhas de prosperidade paraenses formadas pelo setor, além de deixarem passivos ambientais.
Para piorar, no restante do Estado a realidade parece ser a mesma, como em Pacajá, Portel, Senador José Porfírio, Novo Repartimento, Uruará, Anapu, Altamira e São Félix do Xingu. São localidades que estão entre os 20 municípios com as maiores áreas de floresta destruídas nos últimos três anos combinadas com os piores índices de desenvolvimento, com pobreza e as más condições de vida exacerbados, da Amazônia Legal.
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