Por Gisele Coutinho
Embora o Código Florestal tenha foco principalmente em florestas, a Lei, se totalmente aplicada, também garante a proteção das águas. Como cita Cecília Gontijo Leal, bióloga e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), “a água e a floresta não são coisas separadas”.
Em entrevista ao Pará Terra Boa, ela ressalta como é urgente a aplicação do Código para proteger esse recurso vital e como pecuaristas precisam com urgência cumprir a legislação, uma vez que nossas bacias hidrográficas têm sentido o impacto da degradação vegetal.
“O Código é muito importante para os sistemas aquáticos também. Tem dois aspectos muito importantes dele que são a proteção da vegetação ativa nas margens, as APPs (Áreas de Preservação Permanente), porque é a vegetação que está em contato direto com o curso da água. Outro ponto é a preservação das reservas legais, que são áreas também dentro das propriedades que estão distantes das margens. É aquela porcentagem que o proprietário precisa manter que não exatamente está na margem dos cursos d’água e isso é importante por causa desse ciclo todo, por fazer parte de uma bacia hidrográfica”, aponta.
A bióloga é a principal autora do estudo Índice de Impacto nas Águas da Amazônia (IIAA), ao lado da editora de infografia da Ambiental, Laura Kurtzberg.
Conforme já contou o Pará Terra Boa aqui, o índice mostra que das 11.216 microbacias da Amazônia no Brasil, 2.299 (20%) têm impacto considerado alto, muito alto ou extremo com base em nove fatores de pressão: agricultura e pecuária, área urbanizada, garimpo ilegal, mineração industrial, hidrelétricas, cruzamento de estrada, hidrovia, degradação florestal e diferença de precipitação.
Os rios mais afetados são o Xingu, Madeira, Tapajós e Tocantins, envolvendo os Estados do Pará, Tocantins e Amazonas, e quase todos estão comprometidos por atividades como agropecuária (98%), construção de estradas (62%), hidrelétricas (50%), mineração (46%) e garimpo ilegal (2%).
Qual impacto direto da agropecuária nas águas?
A pecuária torna-se a maior vilã das águas quando age fora do Código Florestal.
“A agropecuária é realmente um impacto muito relevante aos ecossistemas aquáticos, tanto por estar ligada ao desmatamento quanto ao impacto direto de produtos químicos levados para as águas. Você ainda tem a retirada da vegetação nativa para a expansão da agropecuária e isso causa diversos impactos. Um rio não acontece separado da vegetação que está na mesma região. Na Amazônia, quando falamos de pequenos cursos de águas, igarapés, toda a energia ali vem do sombreamento da vegetação. Troncos, galhos, insetos que caem nessa água alimentam espécies que vivem ali e rio abaixo. O impacto da agropecuária na cabeceira é muito sério. E o Pará está no centro do arco do desmatamento, com essa presença forte da agropecuária no Tapajós, Tocantins, Xingu, o que é muito impactante”, destaca.
Ela lembra que outros impactos da agropecuária já são mostrados em estudos que apontam alterações pelo aumento da temperatura da água e perda da qualidade da água.
“Até o pisoteamento do gado nas margens altera todo ecossistema aquático. Aos poucos os rios vão se modificando bastante. O Código prevê que as margens dos cursos d’água tenha uma faixa de preservação permanente”.
Qual é a dinâmica das águas?
Cecília reforça o quanto os diferentes formatos aquáticos em nosso bioma, sejam rios, igarapés ou igapós, estão conectados sob forte influência do que ocorre em suas margens.
“A Amazônia tem de muito especial as áreas alagáveis para rios que transbordam e alagam a floresta, conectadas à dinâmica desses rios. E quando, ao invés de uma área dessa, o alagamento é feito em uma área desmatada, isso causa uma grande alteração. Os rios são todos conectados. Toda mudança com mineração, garimpo, desmatamento, estradas, são sentidos pelos rios”, explica Cecília.
E o ano eleitoral?
A pesquisadora contesta o não cumprimento do Código Florestal, mas não deixa de sonhar quando lembra das belezas da região amazônica e como a Lei pode preservar e restaurar o que foi perdido. Um meio para atingir essa meta seria a escolha de representantes políticos com propostas ambientais, que já tragam em seus históricos de vida a defesa dos recursos naturais e dos povos tradicionais.
“O que é muito marcante e bonito na Amazônia é a riqueza para estudar biodiversidade. Entrar em um igarapé e coletar a cada minuto uma espécie diferente para estudar é muito único. Ver tudo isso me motiva muito, é fascinante. Minha expectativa em um ano eleitoral é de melhorias, porque a trajetória atual é terrível”, conclui.
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