Um estudo inédito lança um olhar preocupante sobre a cadeia da produção de alimentos no Brasil. De acordo com uma pesquisa desenvolvida pelo Observatório do Clima, os sistemas alimentares são responsáveis pela emissão de 1,8 bilhão de toneladas de gases do efeito estufa. Isso equivale a 73,7% do total de 2,4 bilhões de toneladas brutas de lançadas pelo país em 2021.
A abordagem adotada para o estudo do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) abrange as diversas atividades de produção, distribuição e consumo de comida. A proposta vai ao encontro dos mais recentes debates no âmbito do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, sigla em inglês), que chama atenção para os efeitos da crescente demanda por alimentos no mundo. Um relatório da organização mostrou que 37% da poluição climática do planeta é proveniente da alimentação humana.
No caso brasileiro ficou evidente a relação do desmatamento com o aumento das emissões. Os dados do SEEG indicam que o setor de mudança de uso da terra, com conversão de floresta nativa em pastos, responde por 1 bilhão de toneladas de CO² equivalente (56% do total).
Em seguida, aparece a agropecuária e o impacto do crescente rebanho bovino, em que pesa, por exemplo, o metano do “arroto” do gado. Segundo o estudo, a criação de gado contribui com 34% das emissões ou 600 milhões de toneladas. Ou seja, somente esses dois setores foram responsáveis por 90% das emissões do setor.
Por sua vez, 100 milhões de toneladas de CO² (5,6%) vieram do uso de energia e a queima de combustíveis fósseis em máquinas agrícolas e no transporte, enquanto que as atividades ligadas à resíduos e processos industriais estão associadas, respectivamente, a 4,2% e 1% das emissões.
Quando se analisa o recorte específico da carne bovina, as estimativas mostram que a cadeia de produção da proteína responde por 1,4 bilhão de toneladas brutas de gases. Isso coloca o rebanho brasileiro como o sétimo maior emissor de GEE do planeta, à frente do Japão.
“Esse estudo inova ao trazer um olhar transversal sobre as emissões, conectando numa cadeia todos os setores de emissão que são tratados isoladamente nas metodologias de inventários. E, no Brasil, os sistemas alimentares, e dentro deles a cadeia da carne bovina, respondem pela maior parcela das emissões, merecendo esse olhar especial”, destaca David Tsai, coordenador do SEEG.
Como mudar esse cenário
Apesar do cenário critico, os pesquisadores evidenciam que uma série de medidas ajudam os sistemas alimentares a se tornarem menos poluentes. A disseminação de práticas de agropecuária de baixo carbono (ABC) e os planos de combate ao desmatamento, como o PPCDAm e PP Cerrado, são apontados como estratégicos para a descarbonização da atividade.
Para o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, o relatório do SEEG deve ser encarado como um “chamado à responsabilidade” dos representantes do agronegócio e do governo.
“Ele demonstra, para além de qualquer dúvida, que está nas mãos do agronegócio o papel do Brasil como herói ou vilão do clima. Até aqui, o setor parece querer que o país encarne o vilão, tentando destruir a legislação sobre terras indígenas, legalizar a grilagem e acabar com o licenciamento ambiental, ao mesmo tempo em que manobra no Congresso para ficar totalmente livre de obrigações no mercado de carbono”, critica Astrini.
Confira o relatório completo aqui.