Às vésperas de completar 10 anos, o Código Florestal Brasileiro anda devagar, após avanços e recuos. Nos 11 Estados que compõem a Amazônia Legal e o Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauíe Bahia), regiões que sofrem intensa pressão de desmatamento e também dos importadores de commodities agropecuárias, apenas 7% dos imóveis inscritos no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) passaram por alguma etapa de análise dos órgãos ambientais. Ou seja, quase a totalidade, 93%, não teve o cadastro validado.
Dos cerca de 6,1 milhões de imóveis inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), apenas 3,4% foram analisados e tiveram seus dados validados, segundo relatório divulgado nesta segunda-feira, 13/12, pelo Observatório do Código Florestal. O relatório mostra também que metade do déficit de Áreas de Preservação Permanente (APP) e 65% do déficit de Reservas Legais (RL) no País estão concentrados em grandes propriedades rurais.
Em outros Estados, o volume de avaliações vai de patamares entre 10 a 300 cadastros analisados em Alagoas, Maranhão, Goiás, Sergipe, Santa Catarina e Distrito Federal, até 72 mil cadastros avaliados e também validados no Espírito Santo, que é o Estado mais avançado nesse processo.
Sobreposição
Além do baixo número de inscrições analisadas e validadas, cerca de 30% dos cadastros têm problemas de sobreposição com outras propriedades ou terras públicas. No Pará, por exemplo, foram cancelados mais de 4 mil cadastros em 2020. O Estado possui 111.523 cadastros analisados e 1.449 cadastros validados, segundo o estudo. O governo estadual afirma que 260.694 cadastros foram realizados no Estado do Pará neste ano. Você pode acompanhar a situação dos cadastros no Estado por aqui.
As sobreposições de cadastros são comuns. De acordo com dados do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) divulgados pelo portal De Olho nos Ruralistas em 2020, mais de 15 milhões de hectares estavam cadastrados sobre Terras Indígenas (TIs) e Unidades de Conservação (UCs) em todo o País. É uma área maior que a Inglaterra.
Os Estados com mais registros sobrepostos são o Amazonas, Mato Grosso e Pará. Existem também sobreposições entre imóveis rurais. Em levantamento de 2017 sobre o Pará, a Agência Pública encontrou 108 mil imóveis com algum tipo de sobreposição com outros imóveis rurais, em um universo de 150 mil cadastros, ou seja, 72% do total.
Rondônia é o Estado com o maior número de imóveis rurais sobrepostos a terras indígenas: 1.376 no total. Na sequência vêm o Pará (1.336), Mato Grosso (1.091) e Roraima (607).
O Amazonas é o Estado que possui a maior área total de imóveis rurais sobrepostos a terras indígenas, totalizando 4.585.466,38 hectares de territórios tradicionais e públicos cadastrados no sistema em nome de terceiros. Em segundo lugar vêm o Mato Grosso (3,5 milhões de hectares), o Pará (1,1 milhão de hectares) e o Acre (818 mil hectares), informou no “De Olho nos Ruralistas”.
Cinco TIs do País chegam a ter toda sua área sobrepostas ao Cadastro Ambiental Rural: Maró, no Pará, Herarekã Xetá, no Paraná, Taquara, no Mato Grosso do Sul, Fortaleza do Patauá, no Amazonas, e Jarara, também no Mato Grosso do Sul. Está última é inteiramente ocupada por um único imóvel rural, acrescenta o portal.
Vazios do CAR
Segundo o relatório do OCF, a área em que se aplica o CAR (área cadastrável) para imóveis rurais ocupa mais de 507 milhões de hectares no País. Com a exclusão das sobreposições, estima-se que cerca de 30% do total de 507 milhões de hectares da área rural do País ainda não foram cadastrados. Essas áreas, conhecidas como vazios do CAR, chegam a ocupar mais de 60% da área cadastrável no Estado de Roraima e mais de 50% na Bahia. Oito Estados têm mais de 40% de vazios do CAR em sua área cadastrável.
A análise e validação dos cadastros, que são autodeclaratórios, é de responsabilidade dos órgãos estaduais, que enfrentam limitações de pessoal e estrutura que comprometem a celeridade do processo, segundo o relatório do OCF.
Isso impede a implantação de Programas de Regularização Ambiental (PRA), o instrumento legal que inicia a efetiva adequação de uma propriedade rural ao Código. Apenas 18 Estados regulamentaram seus PRAs e, mesmo assim, várias de suas regras são de baixa qualidade técnica, o que inviabiliza sua operação ou leva a processos judiciais devido ao fato de reduzirem a proteção prevista no Código Florestal.
Judicialização
O relatório do OCF aponta também que é baixo o número de ações judiciais relacionadas ao Código Florestal e ao desmatamento. O atraso na validação do CAR impede que órgãos de comando e controle usem adequadamente essa ferramenta em operações de monitoramento e fiscalização.
Segundo o relatório, em 2018, apenas 13% das ações judiciais impetradas no Brasil estavam relacionadas ao meio ambiente, e os dados disponíveis não permitem uma separação entre ações para o combate ao desmatamento e outras.
Nesse mesmo ano, em toda a região Norte, onde está localizada a Floresta Amazônica, apenas 6% das ações movidas pelo Ministério Público Estadual versavam sobre questões ambientais.
No Pará, Estado com maior índice de desmatamento em 2019, apenas 214 processos se relacionavam ao meio ambiente.
Segundo o relatório do OCF, “esse cenário permissivo do descumprimento do Código Florestal contamina negativamente a sociedade brasileira e desacredita o País internacionalmente, trazendo prejuízos ao desenvolvimento sustentável do Brasil. As perdas decorrentes da não implantação do Código Florestal são econômicas, ambientais e sociais. Elas são diretamente responsáveis pela redução da biodiversidade, pelo desequilíbrio de ecossistemas, pelo desabastecimento hídrico, pelo aumento dos problemas de saúde, pela baixa produtividade agrícola e pela insegurança alimentar.”
De acordo com o mais recente levantamento do Mapbiomas, 78,3% da área de desmatamento no Cerrado – bioma responsável pela maior parte das exportações de commodities agrícolas do país – ocorreu dentro de propriedades privadas.
Sobre o Código Florestal
O Código Florestal brasileiro (Lei 12.651, de 25 de maio de 2012) é a principal norma para o uso da terra e a conservação de florestas e outras formas de vegetação em terras privadas. Ele exige, por exemplo, que todos os agricultores conservem a vegetação natural de sua posse ou propriedade rural (com percentual de proteção variando entre 80% e 20%), além de proteger matas ciliares e topos de morros.
A lei florestal pode ajudar a conservar mais de 162 milhões de hectares de vegetação nativa no Brasil, sequestrando cerca de 100 GtCO2, o que é crucial para que o País possa cumprir o compromisso assumido no âmbito do Acordo de Paris. Vale destacar que a maior parte das reduções nas emissões deveria resultar da contenção do desmatamento ilegal e da restauração de 12 milhões de hectares de florestas, ambas medidas necessárias para o cumprimento do Código Florestal, o que colocaria o setor agropecuário brasileiro na vanguarda da sustentabilidade mundial.
O que é o CAR
O CAR é um instrumento definido em âmbito nacional pelo Código Florestal (Lei 12.651/2012) com o objetivo de criar um registro de todos os imóveis rurais no país, integrando as informações ambientais em uma base de dados para viabilizar a regularização ambiental dos imóveis rurais e garantir o controle, monitoramento e combate ao desmatamento no Brasil.
No CAR, é feito o registro das áreas desmatadas, de Reserva Legal (RL), Preservação Permanente (APPs), áreas de Uso Consolidado, de Uso Restrito e as que devem ser reflorestadas. Apesar de ter se tornado obrigatório para todo o país com o Código Floretal, o CAR já era utilizado antes de 2012 em estados da Amazônia Legal como parte das políticas de redução do desmatamento no bioma.
Fonte: Observatório do Código Florestal. O Observatório do Código Florestal foi criado em maio de 2013 para promover o controle social da implantação da Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012 (Código Florestal brasileiro) e garantir integridade ambiental, social e econômica às florestas em áreas privadas. Atualmente a rede é composta de 36 organizações da sociedade civil, que se juntaram pelo objetivo comum de proteção, restauração e uso sustentável das florestas. Para mais informações, acesse: https://observatorioflorestal.org.br
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