Na Amazônia, os rios desempenham um papel importante para a preservação da biodiversidade e das práticas socioculturais das populações. Nesse quesito, a região está bem servida, já que conta com alguns dos maiores rios brasileiros em vazão e extensão. Apesar da vantagem, a disponibilidade de recursos hídricos é hoje uma preocupação crescente, sobretudo depois dos impactos vividos após a seca de 2023.
Na semana em que se celebra o Dia da Água, em 22 de março, o Pará Terra Boa lembra que os rios são responsáveis pelo transporte de sedimentos e nutrientes, que ajudam a manter a vida aquática e contribuem para a fertilidade do solo, servem de fonte de água para a fauna e as populações humanas, além de servirem como vias para o transporte na região. Esse conjunto de funções dá uma dimensão dos danos que a estiagem recente causou.
Na Volta Grande do Xingu, no sudoeste paraense, os ribeirinhos notam que o nível do rio ainda está abaixo da média, apesar da chegada das chuvas típicas do inverno amazônico. Segundo os moradores, a menor oferta de água tem a ver tanto com a persistência da seca quanto pelo impacto da usina hidrelétrica de Belo Monte, que diminui em cerca de 10% o volume de água que flui até as comunidades.
“Quando a hidrelétrica fecha as comportas e represa a água mais tempo, a parte de baixo do Xingu fica numa situação crítica. A gente vê matança de peixe. Não tem mais como sobreviver da pesca”, relatou a líder comunitária Maria Francineide Ferreira em entrevista à Deutsche Welle.
Situação semelhante é vivenciada às margens do rio Negro, no Amazonas, onde o nível do curso d’água ainda está abaixo do normal para essa época em que costumava ocorrer boas pescarias.
“O rio ainda está muito baixo aqui no nosso trecho. A gente, que vive desta cadeia, fica na expectativa e não sabe a quantidade de peixe que vai encontrar”, afirma Janderson Mendonça, da comunidade Santa Helena dos Ingleses, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Negro.
Desafio para a agricultura
Já em Rondônia, a falta de chuvas e o ritmo fraco de recuperação do rio Madeira tem criado desafios para o abastecimento, a agricultura e o escoamento da produção dos indígenas Wari’.
“Não conseguimos sair da aldeia para escoar nossos produtos, que são farinha, banana, feijão. Tudo o que a gente planta, morre. A chuva não veio no tempo certo, está muito seco ainda”, lamenta Benjamim Oro Nao, da Terra Indígena Pacaás-Novas.
A situação do Madeira é uma das mais críticas na região atualmente. De acordo com o Serviço Geológico do Brasil (SGB), no ano passado, o rio alcançou a sua marca mínima histórica em 1,1 metro e não se recuperou. No entanto, esse não é um caso isolado. O SGB alerta que o rio Branco, em Roraima, o rio Tapajós, no Pará, e o rio Solimões, no Amazonas, também estão com volume de água abaixo da média para o período.
“Os períodos de chuva são diferentes em alguns locais. Mas a situação não é normal, é muito atípica. Tem vários pontos de algumas bacias que estão bem abaixo da média, com é o caso do Branco e do Madeira”, pontua Artur Matos, coordenador do sistema do SGB.
Alagamento no Acre
Em paralelo a isso, o oposto tem sido observado no rio Acre, que transbordou em mais de 17 metros acima do leito, deixando cidades alagadas e milhares de desalojados. A razão para isso seria o fenômeno Oscilação de Madden-Julian, conhecido pela sigla MJO, que é caracterizado pela grande propagação de chuvas, mas que teve seu efeito ampliado com a influência do El Niño sobre as águas do Pacifico.
Na avaliação de especialistas, a ocorrência desses extremos climáticos são mais uma evidência do quanto a Amazônia já está sofrendo os efeitos das mudanças climáticas. O climatologista Carlos Nobre lembra que fenômenos naturais sempre ocorreram, porém ele nota que as ocorrências recentes do El Niño e do MJO foram mais fortes, levando aos casos de secas e inundações severas.
“A Amazônia é um dos locais com redução das chuvas com o aquecimento global. O aumento da estação seca já está acontecendo, são cerca de quatro a cinco semanas mais longas em relação aos últimos 40 anos, e está mais quente. O risco do tipping point (ponto de não retorno) é enorme”, alerta Carlos Nobre.