Reflexo do fenômeno El Niño e do aquecimento incomum das águas do Atlântico Norte – este último, um efeito possível das mudanças climáticas –, o tempo quente e seco na região Norte este ano está criando condições propícias para a formação de incêndios florestais no bioma Amazônia. Até então, esse tipo de incidente costumava ser incomum na região.
Embora o número de focos de queimadas registradas na Amazônia pelos sistemas de monitoramento caiu em relação a 2022, a característica do fogo que atinge a região este ano apresenta uma peculiaridade: está ultrapassando os limites de áreas desmatadas.
“Antes o fogo na floresta amazônica estava sempre muito associado à degradação florestal e ao desmatamento. Esse contexto ainda existe, o fogo ainda é utilizado para abertura de novas áreas, mas o que nos chama atenção é a forma como que ele está se propagando também em áreas de florestas primárias”, alerta Lawrence Nóbrega de Oliveira, chefe da Divisão de Monitoramento e Combate ao Fogo do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais do IBAMA ao Globo Rural.
O novo e preocupante cenário já havia sido destacado pelo presidente do órgão ambiental, Rodrigo Agostinho, em entrevista ao Amazônia Real.
“A seca está tão intensa que a gente começou a ter fogo em floresta, sim, não apenas em áreas desmatadas”, alertou.
Oliveira explica que o fogo em áreas de floresta úmida e tropical é incomum, mas tem sido favorecido pelo contexto climático. Com a baixa umidade, a serrapilheira – camada vegetal de folhas que caem das árvores e se depositam sobre o solo – torna-se mais seca, favorecendo a propagação de incêndios, que podem começar com uma faísca vinda de queimadas próximas.
O “novo anormal” da seca extrema favorecendo a propagação de incêndios florestais na Amazônia poderá alterar a tradicional prática indígena de manejo do fogo para abrir roçados. Em setembro, o Povo Sateré-Mawé, com território no médio rio Amazonas, na divisa entre Amazonas e Pará, sofreu o maior incêndio já registrado na história da comunidade. Ao todo, 90 hectares foram destruídos pelas chamas após o fogo usado no manejo das roças sair de controle, relata o Valor.
“Temos mais de 2,1 mil brigadistas distribuídos em todo o país nas Terras Indígenas consideradas de maior risco, e nunca tínhamos sido acionados por problemas nesse território. E o que chegou para gente era um desespero completo”, conta Lawrence Nóbrega de Oliveira.
Com os incêndios florestais ganhando força na Amazônia, o especialista do IBAMA avalia que comunidades indígenas precisarão revisar suas práticas tradicionais de manejo do fogo, adaptando-as a eventos climáticos extremos como a seca que atinge a região neste momento. O mesmo deve ser feito também para quem maneja pasto com fogo.