Para as populações ribeirinhas da Amazônia, a pesca é essencial para a subsistência, para a geração de renda e para a reprodução dos modos de vida e da cultura dessas comunidades. Essa prática e todas suas dimensões foi uma das mais impactadas pela seca extrema que atingiu a região em 2023. Com evidências cada vez mais contundentes de que a crise climática é uma realidade no cotidiano, pescadores temem pelo futuro da atividade.
Entre as afetadas pela estiagem estão as cerca de 35 mil pessoas agrupadas em 144 comunidades que formam o Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande, localizado no município de Santarém, no oeste do Pará. Á reportagem da Amazônia Real, os moradores da região revelaram a desolação encontrada por eles em 15 de novembro do ano passado, no período mais crítico da seca, quando um tapete de peixes mortos recobria o rio.
“A gente chegou lá (no Lago Grande), nós ficamos assustados, porque eu tenho 20 anos e nunca tinha visto algo daquele tipo, algo de muitos peixes mortos. Tinha pescada, muitas pescadas, pequenas, maiores, tinha piranha, acarí, tucunaré, arraias”, contou a jovem moradora da comunidade Uruari São Pedro, Ádrinne Silva Batista, que registrou a cena em vídeo para clamar por socorro.
A situação assustou também moradores mais velhos que não lembram de uma estiagem tão devastadora.
“Aquele dia foi muito triste para nossa comunidade e outras da região. Para gente que sobrevive do peixe, tira para nossa alimentação e também para comercializar foi um choque muito grande, muitos de nós ainda não tínhamos visto isso que aconteceu”, relata Amerildo de Souza Rodrigues, presidente da associação de moradores.
Nascido e criado na região do Lago Grande, casado e pai de 6 filhos, o pescador de 51 anos sabia que a tragédia ambiental era o prenúncio de um impacto muito maior.
O problema se agrava, pois, as alterações são percebidas também na época das cheias tornando a manutenção da atividade pesqueira um constante desafio.
“Quando está muito cheio fica difícil de capturar o peixe e quando está muito seco, o acesso para ir buscar aquele pescado, também se torna muito difícil”, relata um pescador da comunidade Santana.
O depoimento foi colhido em projeto da Sociedade para a Pesquisa e Proteção do Meio Ambiente (Sapopema), do Movimento dos Pescadores do Baixo Amazonas (Mopebam) e da Colônia de Pescadores Z-20.
Mudança de hábito
Devido às mudanças na condição do ecossistema, os ribeirinhos se veem obrigados a mudar hábitos alimentares, substituindo o consumo tradicional de peixes por frangos congelados e enlatados que acabaram acarretando em mais casos de vômitos, diarreias e infecções intestinais.
Mas além da alimentação, a seca intensificou problemas antigos enfrentados, como a falta de acesso à água potável e a saneamento básico. Relatos de doenças de pele e coceiras provocadas pelo contato com o capim exposto pela queda no nível do rio também são frequentes entre a população do PAE Lago Grande.
De acordo com um levantamento produzido pela Associação Mopebam, as principais dificuldades vivenciadas pelas 6.250 famílias ribeirinhas do entorno de Santarém foram relacionadas à pesca (22,2%), da alimentação (20,5%) e do acesso à água (16,7%).
“Como pescadores, nós passamos a sentir na pele que o habitat dos peixes, onde eles se refugiam já começa a sentir esse impacto por que vai surgindo a seca. Vão indo para outros lugares e com isso, por causa do desmatamento, começam as grandes erosões, o solo se torna infértil, tudo isso vai pra dentro das cabeceiras dos rios, e se torna inabitável para os peixes”, comenta a coordenadora da comunidade São José do Arapixuna em depoimento colhido no projeto das entidades da região.
Apesar do enfraquecimento do El Niño, as pesquisas científicas e meteorológicas indicam que novas estiagens não são improváveis. Isso porque as evidências mostram que o fenômeno climático não foi o único responsável pela seca severa, mas sim a sua combinação com ações humanas que tem impulsionado o aumento das temperaturas e as mudanças climáticas.
A tendência de consolidação desse “novo normal” é motivo de lamento para o pescador Amerildo Rodrigues, que prevê um futuro em que a pesca não terá mais o papel atual.
“A pescaria hoje não é mais para comercializar, não tem mais como trabalhar com pesca e sobreviver disso, apenas subsistir. Por isso digo para eles estudarem, para não passarem pela mesma situação que a gente está passando hoje”, disse o pescador à Amazônia Real.