A descarbonização das atividades produtivas é uma demanda crescente na economia global. Em busca de uma atuação mais sustentável, empresas e indústrias de diferentes ramos têm investido em inovação, mas também na compensação de suas emissões por meio da compra de créditos de carbono. Esse segmento cresce com o surgimento de inúmeros projetos baseados principalmente em regiões como a Amazônia, porém um histórico de denúncias de fraudes ainda ronda esses negócios.
O caso mais recente foi revelado em reportagem da Repórter Brasil, que mostra que a montadora Audi, a plataforma de mobilidade Uber e outras 20 empresas compensaram emissões de gases de efeito estufa usando créditos de carbono de uma fazenda no Pará com flagrante de trabalho escravo e desmatamento.
A área em questão é localizada no município de Moju, no nordeste paraense, e é de propriedade da Sipasa Seringa Industrial do Pará. No local, era mantido o projeto Maisa cujo objetivo era a preservação da floresta, contudo ali o Ministério Público do Trabalho (MPT) resgatou 16 trabalhadores em condições análogas à escravidão em operação realizada em junho de 2023.
O relatório da fiscalização afirma que os empregados eram mantidos em alojamentos sem ventilação e sem banheiros. Além disso, eles teriam sido contratados para desmatar 477 hectares de vegetação nativa a despeito da área ser utilizada para venda de créditos de carbono. A consultoria AlliedOffsets estima que na região foram gerados créditos equivalentes a US$ 6 milhões no período entre 2020 e 2023.
Apesar do flagrante em atividades criminosas, a Repórter Brasil apurou que esses créditos foram utilizados em medidas de compensação. Em julho, o projeto ajudou a Audi Sport a compensar as emissões do Rally Dakar. Já em agosto, a Uber compensou parte de suas emissões de carbono das operações no Equador, República Dominicana e Panamá.
Além delas, outras empresas como a iFood, a Giorgio Armani Spa e a Nike também eram parceiras do projeto Maisa, que já havia sido denunciado em 2021 pela prática de desmatamento.
Para a defensora pública Andreia Barreto, essas são evidências de que a iniciativa não tem sustentabilidade social.
“Se a empresa compra [o crédito], também contribui para as violações dentro dessa propriedade e está fomentando o trabalho escravo”, destacou a defensora à reportagem.
Em nota, a Uber se defendeu dizendo que investe apenas em projetos “certificados, rastreáveis e auditáveis”. A Audi afirmou que vai “acompanhar seriamente as informações” divulgadas. A iFood minimizou a denúncia ressaltando que os créditos comprados representam menos de 0,002% do seu total emitido. Já a certificadora Verra informou que inativou, de imediato, o projeto.
A Giorgio Armani, a Nike e a Sipasa Seringa Industrial do Pará S/A foram procurados, mas não responderam aos questionamentos.
Irregularidades em projetos de créditos de carbono
Denúncias de fraudes em iniciativas como essa têm ganhado cada vez mais repercussão em paralelo a um movimento de tentativa de regulação do mercado de carbono. No ano passado, por exemplo, a Defensoria Pública do Estado do Pará revelou que empresas nacionais e estrangeiras usavam terras públicas do município de Portel para lucrar com a venda de créditos de carbono.
Ainda no estado, o projeto Jari/Pará prometia remunerar agricultores familiares pela preservação de áreas de vegetação nativa, porém as comunidades nunca tiveram acesso ao recurso. Ainda assim, a empresa vendeu mais de 900 mil créditos de carbono para companhias, como a BMW, o Banco BTG Pactual e a Telefônica Brasil.
Atualmente, o Brasil conta com uma Comissão Nacional por coordenar, acompanhar, monitorar e revisar a estratégia de Redução de Emissões Provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+). Além disso, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que prevê a implantação de um mercado para o setor envolvendo os governos, mas não a iniciativa privada.