Enquanto o Brasil ficou chocado com o caso dos maus-tratos de búfalos em Brotas (SP) na propriedade do pecuarista Luiz Augusto Pinheiro de Souza, dono da Fazenda São Luiz da Água Sumida, aqui no Pará esse animal leva uma vida mais digna.
Ele mantém a subsistência de dezenas de famílias na Ilha de Marajó, especialmente depois que um dos seus derivados, o queijo de Marajó, obteve Indicação Geográfica reconhecida pelo INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), em março de 2021, graças aos esforços dos produtores e entidades associativas, bem como de instituições como Sebrae e Emater – fundamentais ao longo de todo o processo.
A produção do queijo de Marajó teve início na região de Cachoeira de Arari (PA) e desde seus primórdios, há mais de 200 anos, quando ainda era utilizado o leite de vacas, é de caráter familiar e artesanal. A introdução dos búfalos só se deu ao final do século XIX, inicialmente com a criação de gado de corte, e se mantém como uma das principais atividades econômicas na ilha, hoje mais voltada para a criação de fêmeas leiteiras.
O queijo é feito com o leite cru, ordenhado de búfalas criadas em extensas pastagens e conforme as normas de boas práticas ambientais e bem-estar animal. Seu processo de produção envolve fermentação espontânea e é baseado no uso de alguns equipamentos típicos da região, como as peneiras de jacitara (planta nativa e abundante no local). Falar do queijo de Marajó é também falar de onde ele é feito e das mãos que o produzem, por isso mesmo ele é admirado em todo Pará e tem crescido em renome a nível nacional e internacional nos últimos tempos.
Segundo a produtora do queijo Mironga e presidente da Associação de Produtores de Leite e Queijo do Marajó (APLQM), Gabriela Gouvêa Moura, essa certificação representa uma nova página para o queijo de Marajó e seus produtores.
“O queijo faz parte da nossa cultura alimentar e está sempre presente na vida das pessoas, na mesa das famílias, na história da Ilha e no seu desenvolvimento econômico ao longo dos séculos. A criação daqui, hoje, é praticamente toda voltada para o leite e para a produção do queijo, então a movimentação econômica é muito grande e ficou ainda maior depois da certificação, que nos fez ser conhecidos em todas as regiões brasileiras e até mesmo fora do País”, disse ela ao Pará Terra Boa nesta segunda-feira, 31/01.
Gabriela diz ainda ser notório o aumento da procura pelo produto tanto por empresas dos segmentos hoteleiro e gastronômico do Pará quanto por comerciantes do restante do País e até do exterior.
“Hoje é fácil encontrar queijo do Marajó em centros comerciais de grandes cidades no Brasil. Nosso produto já conquistou vários prêmios nacionais e até alguns internacionais… estamos agora em outro patamar”.
A produtora diz ainda que o resultado mais palpável após a Indicação Geográfica foi o aumento na procura pela rota turística do queijo, realizada pela APQLM em parceria com os produtores, que são responsáveis pela realização de “vivências”, onde os turistas podem aprender sobre a história do queijo de Marajó e particularidades sobre seu método de produção, bem como entrar em contato com a natureza e a cultura locais.
Pecuária bubalina no Marajó
Hoje motivo de orgulho não apenas para a população marajoara e paraense, o rebanho bubalino não foi de pronto visto com bons olhos quando da sua introdução no Pará, o primeiro do Brasil a apostar na criação desses animais.
O motivo dessa resistência se deu pelo fato de que não havia conhecimento acerca das particularidades na criação dos búfalos, que acabavam por danificar plantações e causar outras degradações no local, bem como da qualidade e do sabor de sua carne ou de seu leite e derivados. Ao longo do tempo, esse receio foi perdendo força a ponto de, nos dias de hoje, ser mais fácil encontrar tanto cortes quanto lácteos de búfalos em comparação com os produtos bovinos nos mercados e açougues dos municípios marajoaras ou do entorno.
“Aqui, hoje, praticamente só se consomem os derivados de búfalos, seja lácteo ou cárneo. Ninguém liga para produtos bovinos há muito tempo”, diz ela.
De acordo com dados do IBGE, a Região Norte do País concentra, hoje, 64% do rebanho bubalino nacional e o Estado do Pará figura como maior produtor, responsável por 36% do total nacional.
A Ilha de Marajó tem grande destaque nesse montante e possui um rebanho de aproximadamente 321 mil cabeças – praticamente o triplo do número de habitantes dos municípios marajoaras. Flávio Alves Damasceno diz, em seu artigo “Adaptação de bubalinos ao ambiente tropical”, que a produtividade dos búfalos é superior, em se tratando de carne e de leite, se comparada com a de bois e vacas.
Falando no leite, especificamente, ele tem maior percentual de proteínas, cálcio e fósforo, além das vitaminas A e D, em comparação com o obtido das vacas. Além disso, tanto sua carne quanto o leite têm menos colesterol e por isso pode-se dizer que são alimentos mais saudáveis e apropriados para o consumo humano. Quanto ao número de queijarias, segundo o Ministério da Agricultura em dados de 2020, há entre 65 a 70 queijarias na região e as mais estruturadas chegam a produzir uma média de 60 a 100 kg por dia no auge da safra.